terça-feira, 4 de dezembro de 2007

UM JUDEU NA CORTE DO REI GETÚLIO??



Samuel Wainer, o Último dos Jornalistas Intrépidos
O polêmico criador do "Última Hora" que marcou o jornalismo nacional foi um dos judeus brasileiros mais resilientes nos tempos de Getúlio Vargas
Samuel Wainer nasceu em 1912. Onde, ninguém sabe. São Paulo, segundo seus muitos defensores--seria brasileiro nato, nesse caso. Na Bessarábia (hoje Moldávia), segundo seus muitos detratores--seria estrangeiro, juridicamente impedido de ser dono de um órgão de comunicação. Não é um mero dado biográfico--que sequer sua autobiografia solucionou--que se encontra em questão, mas a legitimidade de Samuel como dono do "Última Hora", o mais ousado jornal na história da República Brasileira. Através dele Samuel Wainer revolucionou a prática de jornalismo no país, com cacife (e sucesso, muito sucesso) para desfiar alguns dos grandes tubarões da mídia, como seu ex-patrão, Francisco de Assis Chateaubriand, e seu eterno rival, Carlos Lacerda.
Qual o motivo do incômodo? No caso de Assis Chateaubriand não o discriminava por ser judeu--discriminou tantos outros judeus, de certo modo, mas quando um judeu se mostrava útil, Chateaubriand o apreciava (como era o caso de Eugênio Gudin). Apreciar e afagar uma pessoa por sua utilidade conjuntural, mesmo com maiores desafetos, era hábito de Assis Chateaubriand. Mas o Última Hora foi o maior fenômeno de vendas do jornalismo brasileiro e Wainer devorou um naco do mercado de Chateaubriand. Já no caso do vil Carlos Lacerda, o udenista inflamado tinha o hábito de combater todos que não se sujeitavam aos seus violentos projetos políticos, mas com Samuel havia uma venenosa rixa pessoal.

Mais do que mera concorrência aos dois jornalistas sacanas, o "Última Hora" foi o único grande jornal do país que tomou a defesa de Getúlio Vargas nos anos 50, no auge da guerra política dos nacionalistas com os entreguistas. E Vargas, ícone máximo do movimento nacionalista, era inimigo jurado de entreguistas assumidos como Lacerda, e só não era inimigo de Chateaubriand porque muitas águas já haviam rolado entre os dois (relação deles se alternava entre a hostilidade e o companheirismo). Getúlio Vargas proporcionou a Wainer a oportunidade de fundar seu próprio jornal, coisa que sob o tacape de Chateaubriand jamais aconteceria, pois nem um cargo de diretor de um dos Diários Associados o velho patrão o concederia, muito embora o talentoso Wainer fizesse por merecer. Com o apoio de Getúlio e um controvertido finaciamento do Banco do Brasil, Wainer fundou o "Última Hora" em 1951, do qual foi editor-chefe e diretor até sua falência em 1971, decorrente da perseguição implacável da ditadura militar contra o único órgão de imprensa que havia combatido o Golpe de 64.

Samuel Wainer teve sua grande estréia no jornalismo durante o Estado Novo, escrevendo no jornal "Diretrizes", publicação de centro-esquerda que acabaria perseguido pelo regime. Seu talento foi descoberto pelo truculento Assis Chateaubriand, e uma convocado para os jornais do milionário paraibano, seu brilhantismo lhe valeu a oportunidade única de entrevistar Getúlio Vargas, então senador pelo Rio Grande do Sul, 1949. No que seria uma das grandes entrevistas históricas do Brasil, o velho caudilho gaúcho revelou a disposição de batalhar para se retornar à Presidência da República de que já fora titular, com a famosa frase "voltarei como um líder de massas". Wainer tornou-se um entusiasta da candidatura e Vargas, vitorioso em 1950, apelidou Wainer de "Profeta" e lhe concedeu sua primeira entrevista como presidente-eleito. Uma forte amizade desenvolvida entre os dois ao longo desses dois anos mostrou a Vargas que a lealdade de Wainer, além de seu talento inegável, o tornava o candidato ideal para dirigir um jornal que fizesse contraponto à grande tendência política da mídia da época: anti-nacionalismo, anti-trabalhismo, anti-populismo, ou seja, hostil a Getúlio. De todos os jornais de Pindorama, o mais ferozmente anti-getulista era o "Tribuna da Imprensa" dirigido pelo intolerante udenista radical Carlos Lacerda, um anti-comunista brutal e ácido difamador (chamava Getúlio de "Patriaca do Roubo").

Lacerda, ex-companheiro de redação de Wainer nos Associados de Chateaubriand, (onde a lendária rivalidade fora ensaiada) acusava Getúlio de crimes gravíssimos e orientou seu séquito udenista (conhecido como "Clube da Lanterna" e famoso por seu anti-comunismo golpista e doentio) a instalar uma CPI para retirar de Wainer o "Última Hora", alegando ser ele estangeiro, falsificador da própria certidão de nascimento--tudo isso para golpear Vargas massacrando o judeu forasteiro. Chateabriand, de olho nas vendagens extraordinárias do "Última Hora", daria espaço irrestrito em sua TV Tupi para Lacerda destilar todo o seu cruel veneno. A acusação de ser estrangeiro era enfática quanto a origem judaica de Samuel Wainer e era especialmente traiçoeira, por Wainer ser justamente um dos grandes nacionalistas de esquerda do Brasil. Mas Wainer não deixaria barato: o cartunista Lan, colaborador permanente do "Última Hora", de origem italiana e simpatias getulistas, criou, por encomenda do patrão, "o Corvo", caricatura mordaz de Lacerda, pelo seu aspecto antipático e sua vilania tirânica. Lançado por Wainer, o apelido de "Corvo" colou e perseguiria Lacerda até a morte, mas ao fim da polêmica da CPI (que acabaria provando que TODOS os jornais eram financiados com dinheiro público, especialmente os de Chateaubriand e inclusive o de Lacerda), Getúlio estava duramente desgastado. Acabou se suicidando depois que o "Corvo" fizera o público crer que o Presidente fora responsável pelo Crime da Rua Toneleiro, no qual Lacerda tomou um tiro e seu guarda-costas, Major Rubem Vaz, foi assassinado. O suicídio de Vargas foi um enorme fenômeno popular e reverteu a opinião pública contra "o Corvo", contando com a ajuda do "Última Hora". Tanto que a sede do "Tribuna da Imprensa" acabou completamente empastelada.

E Wainer não deu trégua a Carlos Lacerda. Foi inocentado em todas as instâncias da acusação de falsidade ideológica e pôde manter o "Última Hora", para o desgosto do amragurado rival, líder da UDN. De quebra, Wainer foi enorme entusiasta do governo Juscelino Kubistchek, que embora tenha entrado para a História como um grande estadista defensor da democracia, era perseguido implacavelmente pela imprensa e pela bancada da UDN no Congresso, sobretudo sua ala mais radical, a "Banda de Música" (da qual Carlos Lacerda era o maior e mais agressivo orador, acusando JK das piores barbaridades). O "Última Hora" defendeu Juscelino (chamado por Lacerda de "O Cafajeste Máximo"), atacou Jânio Quadros, defendeu João Goulart, e atacou a ditadura militar (tudo na contramão do "Tribuna da Imprensa").
Com o Golpe de 64 e o AI-1, outro judeu trabalhista, Raul Ryff, secretário de João Goulart, foi um dos 102 primeiros brasileiros a serem cassados pelo regime ditatorial que Carlos Lacerda ajudara a montar (o próprio Lacerda acabou perseguido pelo regime de 64, quando se deu conta que ele não o faria Presidente da República, jamais). O regime militar perseguiu o "Última Hora" desde o primeiro dia, e Samuel Wainer foi o maior crítico da ditadura dentro da imprensa. Inclusive, por ser defensor do janguismo e ser crítico dos direitistas, Wainer teve o "privilégio" de ser o primeiro jornalista a ser censurado e CASSADO no Brasil. Finalmente, a censura letal da ditadura levou a um melancólico fim do jornal oposicionista: em 1972, devastado por uma censura mortal, o "Última Hora" foi à falência e Wainer teve que vendê-lo a um grupo que não soube administrá-lo, levando ao encerramente definitivo das suas atividades na década seguinte. Samuel Wainer morreu em 1980, já anistiado, como modesto colaborador da Folha de São Paulo.

É curioso que um judeu de grande destaque da sociedade tivesse ganho tanta amizade com Getúlio Vargas, cujo política anti-comunista ficaria para sempre marcada pela deportação de Olga Prestes, esposa de Luís Carlos Prestes (líder máximo do Partido Comunista Brasileiro), que estava grávida, para a Alemanha nazista. Mas embora houvesse anti-semitismo entre grupos varguistas (a começar pelo intragável chefe de polícia Filinto Müller, inimigo histórico de líder socialista Prestes, o grandioso "Cavaleiro da Esperança"), muitos anti-getulistas também foram anti-semitas ferrenhos, sobretudo na tentativa de humilhar e desmoralizar Samuel Wainer. A verdade é que nós, judeus, sempre tivemos nossos simpatizantes como aliados conjunturais em função de circunstâncias históricas. Getúlio Vargas era, antes de tudo, um pragmático. Condenava uma judia que lhe era perigosa como Olga Benário Prestes e glorificava um judeu que lhe fosse proveitoso, como Samuel Wainer.

*Samuel Wainer casou-se com a über-model Danuza Leão, uma das musas da Terceira República (1945-1964), com quem teve os filhos Samuel e Débora
*O "Última Hora" foi o pirmeiro jornal brasileiro a adotar uma seção de cartas do leitor, rapidamente copiado por jornais de todo o país
*Foi para Samuel Wainer quem Getúlio proferiu a lendária frase "Só morto sairei do Catete!", publicada na edição do "Última Hora" horas depois de sua morte
*Samuel Wainer foi o criador de uma nova seção do jornal que ganharia o mundo: o Caderno de Bairro
*É de Samuel Wainer a frase "Assis Chateaubriand foi o verdadeiro 'Cidadão Kane' brasileiro"
*O "Última Hora" consagrou os talentos de figuras históricas como Nelson Rodrigues, Paulo Francis e até o Chacrinha!

Um comentário:

Bruno Ruivo disse...

Rachel, querida, seu destino é mesmo ser biógrafa!