sábado, 5 de janeiro de 2008

QUARENTA ANOS DA PRIMAVERA DE PRAGA DE ALEXANDER DUBCEK: 5 DE JANEIRO DE 1968, O SOCIALISMO VOLTA A SER HUMANITÁRIO





1968, O Ano Que Nunca Terminará: TCHCOSLOVÁQUIA DE DUBCEK RESTAURA O SOCIALISMO DOS LIVRES E BREZHNEV REAGE
O DESAFIO MÁXIMO AO STALINISMO (CUJA VOCAÇÃO ANTI-SEMITA ALEIJOU A TCHECOSLOVÁQUIA NO INFAME JULGAMENTO DE SLÀNSKY EM 1953) RETRATADO EM "ROCK 'N' ROLL", DE UM DRAMATURGO DE ORIGEM JUDAICA, TOM STOPPARD
A Primavera de Praga de 1968 foi um dos mais belos desperdícios da Guerra Fria, sufocada pelos tanques do Pacto de Varsóvia, que, sob a Doutrina Brezhnev, não podia tolerar a mais humanitária evolução do Socialismo Marxista-Leninista. O episódio, iniciado há exatos quarenta anos no dia cinco de janeiro de 1968, data da posse de Alexander Dubcek na Presidência da Tchecoslováquia, foi abruptamente sufocado por iniciativa do premier da URSS Leonid Brezhnev, e seria imortalizado na peça "Rock 'n' Roll" do dramaturgo judeu 'Tom Stoppard', vindo da Tchecoslováquia e radicado na Grã-Bretanha. O escritor, cujo nome real era Tomás Straussler, consagrou-se no cinema como roteirista de "Shakespeare Apaixonado" e do épico político orwelliano "Brazil--O Filme" e com adaptações de suas peças como "Rosencrantz and Guildenstern Are Dead", mas foi com a sátira política "Rock 'n' Roll" Straussler fez sua obra-prima retratando uma banda de rock desafiando o mainstream cultural para representar as reformas libertárias de Dubcek dentro do Partido Socialista Tcheco-Eslovaco desafiando o stalinismo soviético da velha-guarda do partido na primeira dissidência ao poder imperial de Moscou, desde os expurgos de 1952, em que os soviéticos condenaram treze altos dirigentes do partido--dos quais dez eram judeus--por crimes de conspiração Trotskyista-Sionista-Titoísta num julgamento ensaiado.
A Primaver de Praga teve seus antecedentes com o desgaste da estrutura do KSC (Komunisticka strana Ceskoslovensko, Partido Comunista da Tchecoslováquia) ocasionada com a crise econômica que atingiu a Tchecoslováquia na segunda metade dos anos sessenta, em meio a pressões para uma retomada do processo de Desestalinização. Na verdade, a vanguarda reformista do partido, liderada por figuras como Ota Sik e Alexander Dubcek já estava fazendo avanços desde 1963, quando líderes eslovacos desalojaram os principais tenentes da linha dura do partido de sua seção eslovaca (KSS, ou Komunisticka strana Slovensko, Partido Comunista Eslovaco). Na ocasião Dubcek, membro do Comitê Central do KSC desde 1962, tornou-se primeiro-secretário do KSS e firmou-se como a principal oposição ao linha-dura Antonín Novotný, líder supremo do KSC (na época o Partido Comunista mais stalinizado do mundo, desde o Julgamento Slànsky de 1952) e chefe de governo da Tchecoslováquia. Em outubro de 1967 os renovadores de Sik e Dubcek conquistaram a força e o prestígio necessários para desautorizar Novotný no Comitê Central do KSC, desencadeando a maior crise do partido desde os expurgos de 1952.
1952 foi o ano do Julgamento Slànsky, a última crueldade da vida de Josef Stálin, quando o Partido Comunista da URSS interveio no KSC para promover uma "limpa" nos seus quadros dirigentes, a fim de assegurar o controle absoluto do partido pelos elementos mais fanaticamente leais ao stalinismo soviético. Num processo judicial altamente enviesado e tendencioso, treze altos hierarcas do KSC foram condenados (muitos à morte) por participar de uma "conspiração Trotskyista-Sionista-Titoísta". Se a combinação de Trotsky, Josip Tito e sionismo judaico soa levemente anacrônica, havia um elemento que unificava a maioria desses dirigentes para além dessas três tendências políticas: ONZE DOS TREZE LÍDERES CONDENADOS NO JULGAMENTO SLÀNSKY ERAM JUDEUS. Nenhum outro elemento unificava tão bem os acusados: Rudolf Margulius era um neo-socialista com simpatias ocidentais, Vladimir Clementís era um rebelde veterano independente de Moscou, o próprio Rudolf Slànsky, vice-líder do partido e mais destacado dirigente entre os acusados, era um stalinista linha-dura radicalmente pró-URSS, Artur London era um Republicano da Guerra Civil Espanhola, Bedrich Reicin era um soldado de longo histórico de luta anti-nazista, Mirada Horáková era uma ativista renovadora que chegou a ser defendida por Winston Churchill. No epicentro do espetáculo estava o sinistro Klement Gottwald, premier da Tchecoslováquia desde o Golpe de 1948 no qual fora empossado justamente pelos supostos traidores que estava a executar. Gottwald não hesitou em ceder às pressões de Stálin que se livrasse dos elementos "rebeldes" do KSC, e forjou a tal conspiração de vários militantes, muitos dos quais nunca tiveram contato, e alguns dos quais era inclusive amigos próximos de Gottwald (como o próprio Rudolf Slànsky suposto líder da conspiração que, como os demais, foi torturado para confessar uma culpa inexistente).
Esse era o status quo do KSC à época da ascensão dos reformistas: de todos os Partidos Comunistas do Bloco Soviético, cujas lideranças judaicas foram expurgadas nos derradeiros anos da vida de Stálin, o mais disciplinado e linha-dura (e ausente de judeus) era o KSC, e Novotný, o sucessor stalinista de Gottwald, adotou essa linha com tamanho rigor que ao ser desafiado em outubro de 1967, ninguém mais no Comitê Central suportava a sua tirania. Novotný recorreu ao PC da União Soviética para contornar a crise, e a ida de Leonid Brezhnev à Praga em dezembro de 1967 precipitou a queda: a lealdade cega de Novotný ao PC da União Soviética tinha criado um desgaste tão grande no KSC que Brezhnev preferiu destituí-lo de seus cargos, e no dia cinco de janeiro de 1968 Alexander Dubcek o substituiu como primeiro-secretário do KSC, no marco inicial da Primavera de Praga. Novotný seria finalmente desalojado da presidência da Tchecoslováquia no dia 22 de março, substituído por Ludvik Svoboda. Com Dubcek à frente do KSC, a liberdade de imprensa foi restaurada ao país e uma política de defesa dos Direitos Humanos foi adotada pelo governo. Em abril Dubcek lançou seu "Programa de Ação" propondo liberdade de consumo, liberdade de expressão, federalismo (Dubcek inclusive era eslovaco) e democracia pluripartidária, a ser implementado no 14o. Congresso do KSC marcado para nove de setembro, ocasião na qual um novo Comitê Central seria eleito, para substituir a estrutra que Gottwald implementara em 1952.
A abertura do regime tcheco-eslovaco precipitaria as grandes manifestações populares em favor de uma radicalização democrática, desencadeada com o artigo "Duas Mil Palavras" de Ludvík Vaculík, um jornalista que buscava apressar as reformas para além da influência de Dubcek, na tentativa de promover um rompimento forte com as forças soviéticas do KSC. Mas Dubcek temia repetir o radicalismo anti-stalinista da Revolução Húngara de 1956, quando o Pacto de Varsóvia esmagou as reformas de Imre Nagy, e por isso começou em julho negociações com Leonid Brezhnev e o PC da União Soviética para não provocar antagonismo do Pacto. Aparentemente, a velocidade das reformas libertárias do KSC já provocara antagonismo suficiente, porque embora em momento algum Dubcek defendesse que a Tchecoslováquia saísse da Comecon e da Organização do Pacto de Varsóvia, os stalinistas do KSC não poderiam, por questão de índole ideológica, tolerar qualquer tentativa de democratização--e Brezhnev se dispunha a ser avalista. Mesmo durante as negociações de julho a "ala conservadora" do KSC já tinha elaborado um projeto de golpe de estado que contaria com apoio de tropas soviéticas para depor Dubcek, e esse oficiais encaminharam o pedido durante os bastidores da própria negociação. Oficialmente Brezhnev prometeu não interferir no 14o. Congresso do KSC e inclusive retirar tropas do Pacto de Varsóvia que ensaiavam manobras militares em território tcheco-eslovaco, e no dia 3 de agosto todos os países do Pacto se encontraram em Bratislava, na Eslováquia, para assinar um acordo que determinava que as intervenções militares só aconteceriam se um país sofresse um golpe burguês-capitalista. Com os termos ideológicos do Pacto a critério de Brezhnev, a URSS não tardou a mostrar o que ela pensava do "socialismo com rosto humano" de Dubcek: na virada do dia 20 pra 21 de agosto cerca de 7 mil tanques soviéticos invadiram a Tchecoslováquia, e entre duzentos e seiscentos mil soldados do Pacto marcharam contra a democratização, vinte e oito mil só da Polônia. Também participaram Hungria, Alemanha Oriental, e Bulgária. Dubcek implorou desesperadamente para que seus conterrâneos praticassem desobediência civil e resistência não-violenta aos soldados do Pacto, setenta e dois civis tchecos e eslovacos foram assassinados no massacre, centenas foram feridos, 70.000 fugiram imediatamente do país (o número total de emigrantes chegaria a trezentos mil), e um estudante, Jan Palach, se imolou em protesto contra a invasão. Dubcek, que nem chegou a assumir a presidência da Tchecoslováquia, foi destituído do cargo e transformado num burocrata menor do governo. Um protesto de jovens russos na Praça Vermelha em Moscou contra a invasão promodia pela política da URSS (que viria a ser chamada de "Doutrina Brezhnev") seria brutalmente reprimida no dia 25 de agosto. A Tchecoslaváquia permaneceu ocupada pela reação anti-democrática até o fim do ano.
A Primavera de Praga foi uma utopia tão doce e tão inocente, e sua repressão foi tão violenta e tão gratuita, que o episódio foi um dos grandes divisores de águas na história política do Socialismo. Primeiro consagrou o comunismo soviético como monolítico e irreformável. Daí seu colapso foi definitivo e inevitável. Em segundo lugar, as formas democráticas de socialismo se tornaram irrevocavelmente inconciliáveis com a bipolarização da Guerra Fria. Daí o limbo da inoperância no qual o socialismo humanitário fora arremessado até a Era Gorbachev. E por fim, ficou patente que o socialismo internacional não poderia ser outra coisa que não a extensão da política externa soviética. Os países que não eram satélites da URSS, portanto, perderam a vocação internacionalista: Cuba foi inexpugnavelmente isolada, a China se transmutou numa potência imperialista de mercado, o Vietnã, Laos e Camboja se tornaram típicas repúblicas do Terceiro Mundo asiático, a Albânia radicalizou-se num sistema fascistóide, e a Iugoslávia se tornou um veículo do nacionalismo sérvio. A Primavera de Praga marcou o rompimento da intelectualidade de esquerda do Ocidente com o bloco oriental, além da guinada em direção ou à social-democracia, ao trotskyismo, ou ao anarquismo, a intelectualidade anti-conservadora começou a abrir filões para a geração que nascera sob a opressão do do Sovietismo, mais compenetrados na contestação cultural e comportamental do que na revolução proletária. Desse contexto surgem alguns dos grandes intelectuais judeus da contracultura, como Hannah Arendt, Leszek Kolakowski, André Glucksmann, Meyer Schapiro e Tom Stoppard. E é com esse espírito que Stoppard escreve sua obra, inclusive a que aborda a invasão soviética da Tchecoslováquia.

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