Gênio inovador do Teatro, Brecht colaborou com vários judeus da fina nata intelectual artística: Kurt Weill, Walter Benjamin, Lion Feuchtwanger, Theodor Adorno, Paul Dessau, Hanns Eisler, Fritz Kortner, Theres Giesch, Oskar Homolka, Fritz Lang, Alexander Granach, Peter Lorre, Ruth Berlau, Angelika Hurwicz, e, principalmente, sua esposa, Helen Weigel
Bertold Brecht nasceu em Augsburgo, na Alemanha, região da Bavária, no dia dez de fevereiro de 1898. Hoje comemoramos 110 anos de seu aniversário. Nascido de mãe protestante e pai católico, Brecht teve uma importância gigantesca para a cultura judaica do século XX, tendo trabalhado com alguns dos mais talentosos artistas e intelectuais judeus da Alemanha de sua geração. Como dramaturgo, foi um dos exemplos mais resilientes de artista engajado, exemplo clássico do intelectual marxista, que, dotado de um espírito revolucionário não só nas suas posturas como também na sua estética, Brecht se tornou sinônimo de militante artístico, cuja orietnação socialista e abordagem inovadora influenciou gerações de artistas no Ocidente, inclusive o brasileiro Augusto Boal.
Formado na Königlich-Byarischer Realgymnasium em 1917, o jovem Bertold ganhava seus primeiros trocados escrevendo artigos de jornal desde julho do ano anterior. Ao se formar, inscreveu-se na Faculdade de Medicina da Universidade de Munique, esperando escapar do alistamento militar que ceifara boa parte de sua geração na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), mas o Exército acabou convocando-o mesmo assim--a um mês do fim da guerra. De volta à faculdade, Brecht se enamorou pelo teatro e em 1918 escreveu sua primeira peça Baal, que só seria encenada cinco anos depois. Em 1919 ele estreou como ator nas esquetes de comédia política de cabaré de Karl Valentin e como escritor foi bem prolífico: escreveu Trommeln in der Nacht, Der Bettler oder Der tote Hund, Die Kleinbürgerhochzeit, Er treibt einen Teufel aus, Lux in Tenebris, Der Fischzug. Em 1922 Trommeln in der Nacht (Tambores na Noite) tornou-se a primeira peça de Brecht a ser encenada, ocasião na qual casou-se com Marianne Zoff, com quem teve uma filha, Hanne Hiob, no ano seguinte. Foi outro ano consagrador para Brecht, que encenou Baal e Na Selva das Cidades.
Mas foi em 1924 seu grande divisor de águas: ao escrever Eduardo II com o dramaturgo judeu Lion Feuchtwanger, seu colega de cinco anos, Brecht fez sua primeira colaboração criativa e primeira adaptação de um clássico e sua--de quebra, estreeou o seu lendário conceito de "Teatro Épico" e a peça estreeou no mesmo ano. Como se fosse pouco ainda começou dois trabalhos: Mann ist Mann e Der Elefantenkalb, que seriam completados em 1926, não antes de Brecht ser apresentado a três intelectuais e moldariam sua vida e sua obra. O ano era 1925, e Brecht assistiu ao filme Em Busca do Ouro de Charlie Chaplin, que para Brecht era um artista bem mais próximo dos critérios do Teatro Épico do que do teatro dramático. Brecht inclusive o comparou a Karl Valentin e ambos foram inspirações pro personagem Galy Gay de Mann ist Mann--por sua vez, Brecht teria influenciado Chaplin em Monsieur Verdoux. Outro marco de 1925 foi O Encouraçado Potemkin do cineasta judeu Serguei Eisenstein. E, finalmente, em 1926, época em que se divorciou e se envolveu com a atriz socialista Elisabeth Hauptmann, passou a ler aquele que é o mais notável intelectual alemão de origem judaica: Karl Marx. Os trabalhos de Marx foram tão influentes que Brecht declarou: "Quando eu li O Capital, eu entendi o significado das minhas peças."
Esse significado se tornaria uma referência fortíssima do trabalho de Brecht. Determinado a escrever um obra que abordasse os dramas complexos da sociedade capitalista, Brecht começou a escrever freneticamente; ao mesmo tempo se engajava na ópera, escrevendo e encenando uma ou duas peças por ano antes da ascensão nazista (incluindo A Ópera dos Três Vinténs, em 1928). Com a parceria do compositor Kurt Weill iniciada em 1927, com Mahoganny-Songspiel, começou a conceber uma de suas grandes obras musicais: Ascensão e Queda da Cidade de Mahoganny, que, ao ser encenada em 1930, provocou a revolta irascível de nazistas na platéia. Nesse ano, casou-se com a atriz judia Helene Weigl, recém-filiada ao Partido Comunista, com quem teve uma filha, Babara, nesse mesmo ano. Implacável crítica da economia industrial, Die Massnahme foi duramente combatida pelo Partido Nazista pelo seu conteúdo nitidamente marxista, e tão logo que Hitler chegou ao poder, o casal comunista Brecht e Feigl (que corria riscos ainda maiores por ser judia) foi morar na Dinamarca em fevereiro de 1933, onde viveram até 1939, quando, com a iminência da Segunda Guerra Mundial, fugiram pra Suécia e de lá pra Finlândia. Foi nessa época que a temática da obra de Brecht, além de seu caráter socialista, ganhou contornos especificamente anti-nazistas, como Galileu, Mãe Coragem e Seus Filhos, Der Gute Mensch von Sezuan, e A Ascensão de Arturo Ui.
Essa última peça é uma rica alegoria sobre a ascensão de Hitler, representado pelo mafioso de Chicago Arturo Ui, um impiedoso facínora. Outros líderes nazistas tem versões análogas na peça: o diretor da SA (SturmAbteilung) Ërnst Rohm é o gângster Ernesto Roma, o marechal Herman Göring é Emanuele Giri, e os empresários prussianos junkers são representados pelo Cartel do Couve-Flor, um sindicato patronal de grandes agricultores que produzem todo o couve-flor consumido em Chicago. A peça foi escrita nas três semanas que Brecht passou em Helsinque, esperando um visto de entrada para os Estados Unidos, onde morou de 1941 até 1947, quando a paranóia anti-comunista o submeteu ao constrangimento de depor no Comitê da Câmara de Atividades Anti-Americanas (HUAC, House Un-American Activities Committee). Eram os anos que antecederam a Guerra Fria, e, num prelúdio à caça de bruxas generalizada que o macartismo promoveria nos anos 50, o HUAC começou a perseguir intelectuais de esquerda e Brecht, após seu depimento, imediatamente regressou à Europa, morando um ano na Europa Ocidental, e, entre 1949 e 1956, quando morreu, na Alemanha Oriental, cujo regime comunista buscava fazer dele um ícone.
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