sábado, 2 de fevereiro de 2008

CARNAVAL DA VIRADOURO: O HOLOCAUSTO BANALIZADO



A FESTA DA CARNE: A FIERJ LUTA CONTRA A FALTA DE TATO
O carnavalesco Paulo Barros pretendia desfilar com um carro alegórico com cadáveres do Holocausto e um folião vestido de Adolf Hitler: A Justiça impediu o escárnio
A Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro conseguiu uma liminar na Justiça que impedia a escola de samba Viradouro de desfilar na Marquês de Sapucaí com imagens que tratavam o Holocausto de maneira pouco cuidadosa, sem a seriedade que o assunto exige. Muitas reações a favor, muitas contra, mostrando que o assunto continua sendo mal-discutido--e por isso não é num desfile de Carnaval que o erro seria reparado.
O carnavalesco Paulo Barros defendeu a sua alegoria: uma pilha de corpos esquálidos de vítimas do Holocausto nazista, um folião vestido de Adolf Hitler. Disse que sua liberdade de expressão estava sendo cerceada, e que sua arte, desrespeitada. Será mesmo? A F.I.E.R.J. teve o bom senso de contatar a Viradouro antes de entrar na Justiça. Pediu que Paulo Barros tirasse o folião sambando de Hitler e cobrisse o carro com a carnifica com uma faixa dizendo "Holocausto Nunca Mais". Paulo Barros recusou a proposta e a Justiça decidiu por ele. A F.I.E.R.J. atendeu às exigências da comunidade judaica, mas nem todos na comunidade maior entenderam direito. Muitos argumentaram a favor da F.I.E.R.J. e muitos contra, e entre estes as coisas mais ridículas foram ditas.

Disseram que a comunidade judaica não apreciava o valor artístico do Carnaval. Um argumento curioso, escorado inclusive em declarações do próprio Paulo Barros, que disse que cenas semelhantes num museu seriam respeitadas. Noves fora o argumento de Barros tratar de hipótese contrária aos fatos, uma certa solenidade é observada no museu que um desfile de Carnaval não tem por hábito. É razoável entender que, no trato de uma questão delicada e dramática como o Holocausto, uma certa dose de seriedade se faz necessária, para não se desmanchar o clima solene da consternação. O filme "A Vida é Bela" de Roberto Benigni, pode ser uma comédia, mas as partes referentes ao massacre não são mostradas de maneira gráfica. Há uma certa alusão ao Holocausto e o encarceramento é apresentado, mas cenas de tortura, de fornalhas de cadáveres e corpos esqueléticos não são exibidos. Benigni, filho de judeu, dirige com alguma delicadeza, fazendo questão de não exibir os aspectos mais horripilantes do Holocausto, inclusive em consonância do tema do filme de um pai tentando proteger seu filho da cruel realidade.

O mesmo não ocorre no desfile da Viradouro. O enredo chama-se "É de Arrepiar" e a pilha de inúmeros corpos mostra o lado mais arrepiante do Holocausto, de fato. Entre tantas coisas que nos arrepiam, dignas portanto de uma representação gráfica num carro alegórico, Paulo Barros escolheu uma cena de um dos massacres mais bárbaros perpetrados na História da Humanidade. Sem desmerecer os aspectos culturais do Carnaval, os desfiles das escolas de samba, sobretudo as do Grupo Especial, não são o foro mais propício a uma reflexão pesada e penitente; recheados de folia e descontração, parecem impróprios para exibir um Hitler saltitante sobre uma carnificina. O genocídio de judeus, ciganos, eslavos, homossexuais, negros, socialistas, pacifistas e testemunhas de Jeová é de arrepiar, mas não num sentido que fosse apropriado pro clima de festa hedonista e deslumbrante do Carnaval Carioca. Tantas outras coisas arrepiantes poderiam ser abordadas. Não há falta de coisas com que se arrepiar, a começar pelas reações negativas aos protestos da FIERJ.

Houve quem dissesse que o Carnaval sempre mostrou a escravidão dos negros e ninguém nunca reclamou. Bem, eu sempre entendi as alusões à escravidão como uma celebração da libertação. Mas se não forem assim, então que as pessoas reclamem. Acho curioso que entre os doze grupos que compõem o Grupo Especial da LIESa, não há uma única escola cujo presidente seja negro. A festa tradicionalmente lembrada como uma celebração da cultura negra do Brasil enriquece empresários brancos. Muitos dos quais estão envolvidos até o pescoço com a Máfia do Jogo do Bicho, e com isso são patrocinadores dos esquadrões de morte que assolam a Zona Oeste e as cidades periféricas da Zona Metropolitana. Esses grupos de extermínio invariavelmente oprimem os pobres e humildes, que são negros, em sua grande maioria. Sem falar que na Baixada Fluminense, a Máfia do Bicho possui laços fortíssimos com as igrejas chamadas de evangélicas. Nada contra os aspectos religiosos de qualquer igreja, mas muitos pastores lideram grupos de agressores contra terreiros umbandistas e candomblecistas. Associando os orixás com imagens satânicas, esses grupos, ditos cristãos, atacam sem trégua mães e pais-de-santo, que não recebem alento das escolas de samba. As máfias que controlam a Baixada Fluminense com mão-de-ferro nunca serão convincentes como defensores da cultura negra. Acima, estão retratados o bicheiro Turcão, da Viradouro, por ocasião de sua prisão, e o carnavalesco Paulo Barros com o atual presidente da Viradouro, Marco Lira.

De resto, as críticas à decisão da Justiça e à iniciativa da FIERJ resvalam num anti-semitismo barato. Reclamam que a decisão coube a uma juíza de origem judaica. Uma conspiração dos judeus contra o samba, talvez? Outros ressaltam o quão proveitosa a "indústria do Holocausto" é para os judeus, que aparentemente querem o monopólio em denunciá-lo. Uma carta ao Globo sugeriu que não havia como contestar o mau gosto, frisando que o mau gosto do Bar-Mitzvah corresponde a uma lavagem cerebral que nem Göebbels faria melhor, e que nem por isso os pais de meninos judeus deveriam ser processados. Como de costume, muitos aludiram ao "Holocausto palestino" como obra dos judeus que, aparentemente, não teriam, por esse motivo, direito de reclamar. Entre a hipocrisia da luta de raças soterrada por alegorias no Carnaval e a desfaçatez de críticos gratuitos da comunidade judaica que confundem alhos, bugalhos, e caralhos, prefiro ficar com a tenacidade da FIERJ e de seu presidente Sérgio Niskier, e rezo para o dia em que os defensores do direito de ser judeu sem medo se tornem defensores também do direito de praticar umbanda e candomblé sem medo, e combatam as igrejas evangélicas da periferia e os grupos de extermínio que lhes dão apoio.

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